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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

...porque tu e eu nunca fomos nós.

Não adianta analisar os verbos
ou separar sintagmas,
comparar acervos
ou analisar magmas -
a nossa atracção já não é força,
é gravidade sem razão ou espaço,
o nosso código já não é morse,
porque a cegueira acusa o cansaço.
Deixa as palavras em imponderabilidade,
separa os nossos já polutos pós,
regredamos à individualidade...


 

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

CONTA-GOTAS

Debito,
a cada golpe,
uma gota impura,
adulterada por laivos
de amargura.
E como um golpe nunca vem só,
duas a duas,
eu conto as gotas
da minha dor:
duas a duas,
deslizam lágrimas
pelo meu rosto,
lavando a cor,
levando o viço
da pele ferida
pelo desgosto...





segunda-feira, 18 de outubro de 2010

estigma

O espaço que nos liga
esquece-me a asfixia da palavra,
e engole-me viva,
sem me dar tempo de dizer-te
[...quanto te amava...]
o resto do meu tempo inútil,
era de gelo,
ironia do ter sido luz
sem a incandescência do sangue,
tua, sem a obediência da sorte,
crente, sem a transparência do cálice
onde me bebo
em lágrimas.











sexta-feira, 8 de outubro de 2010

SE TU SOUBESSES LER UMA CARTA DE AMOR...

Se soubesses ler uma carta de amor, meu amor, eu voltaria no tempo, só para te escrever uma.
E dir-te-ia dos pássaros, que, por amor, voam horizontes perdidos até achar a equivalência do amor, nuns olhos de voo igual. E falar-te-ia das flores, que coabitam espaços só para criar jardins. E contar-te-ia as vezes que o vento muda de norte ou se veste de brisas, só para não magoar nuvens tresmalhadas ou não desviar beijos fugazes.

Falar-te-ia da confiança com que a semente se enterra na terra, húmida e fria. E da fé nascida nos olhos, frágil e pequenina, a necessitar do amparo de mãos amorosas, para a cuidar...
Da consciência da própria individualidade, para aprender que ao nosso lado existe gente. Que também sente.

Falar-te-ia ainda, se tu soubesses ler uma carta de amor, meu amor, que o amor nasce perfeito. Que nasce nú e inocente de pecado original.

Pedir-te-ia, meu amor, - se tu soubesses ler uma carta de amor e se eu pudesse voltar no tempo, - que me amasses como quem ama uma flor. Que me cuidasses como se me tivesses amor. Que me respeitasses com se eu fosse Tua. Igual e Mulher. Companheira e Forte. Flor e Frágil.

Dir-te-ia, amor, que comeria contigo a maçã, sim. Que correria todos os riscos contigo. Que não me importaria de ser expulsa do Paraíso. Que não me importaria de me vestir, por pudor, e, tão pouco, que só tu soubesses o tom da minha pele. E que, muito para além da pele, o meu maior gosto seria ser só tua, em pensamentos, palavras e emoções... (mesmo em omissões...) por amor, tudo isso, só, só, só, por amor.

Mas eu sei que sempre soube que nunca serias capaz de ler uma carta de amor... e esse foi o meu pecado mortal: ser capaz de as escrever...

Mesmo assim, meu amor, escondi-as todas, para não te inspirar ciúmes das palavras.
E regurgitei a maçã, para me purificar por dentro.
E deixei que me marcasses, para afirmares a tua posse.
E transformei-me em mãe, para conseguir amar-te.
E amei-te, para disfarçar o medo.
E temi-te, para sobreviver.
E fui só tua... mesmo amarfanhando todas as cartas de amor que não te escrevi.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

CARÍCIAS...
Já sei...
Deveria ter-te fingido
o amor que me obriguei.
Aceitar do jogo o ódio
do vício que te causei.
Aprender de cor o preço
dos gestos que provoquei.


Saber que o fogo se prende
não com rosas, mas tenazes.


Mas, sabes,
há quem nasça por saber
do que duas mãos são capazes...







sexta-feira, 24 de setembro de 2010

LÂMINA DE LUZ
Cega de escuridão, ela sentiu a lâmina de luz rasgar-lhe as pálpebras e sangrar-lhe a pele. O dia não nasce de um momento só: o seu parto é lento e gradual, por isso, não podia ser O dia. Não ainda. Defendendo-se com as mãos em escudo, ela deixou-se atravessar até à alma... talvez ninguém morra no dia certo. Ou a cegueira se aprenda, por instinto de sobrevivência...


terça-feira, 14 de setembro de 2010

Em vão

Não tenho história.
Assassinei a memória
num ritual nocturno,
fiz do tempo expiação,
esqueci tudo,
mesmo que um dia tive
coração.


E, de tão esquecida,
esqueço-me sempre
de esquecer...






AMORTIZAÇÃO

As minhas mãos,
aves sem asas,
caíram feridas e sem fé,
destroçadas,
trespassadas,
como escudo já inútil,
por ter sido vencido
pela acutilância das armas
do campo hostil...

As minhas mãos,
vazias de forças,
ensaiaram um gesto tímido,
reflexo,
em plexo
de instintos ramificados,
mero impulso
de defesa exterior,
fingindo não ser maior

o dano das entranhas
já vencidas,
o rasgo da batalha
já perdida.

Capitulei,
sem exigir condições.
e vou pagando,
as contas de sal e lágrimas
do rosário
que desfiei...
HAUTE CUISINE


Na mesa,
punha-se o riso
como entrada,
mas comia-se o siso
em caldeirada
embriagada
que acabava
partida em pedacinhos,
misturada
com a cor roxa dos vinhos.


Na toalha e nos olhos.





 

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

POEMA QUASE DE AMOR


Nunca saberás o quanto
de mim tiveste.
O esforço, o espanto,
o nojo, a submissão,
a revolta
e o forçado perdão.
E tu, que me deste
de volta?...
A posse, o gozo,
o trunfo
e o triunfo.
Nunca saberás o quanto
pequei por inocência,
jurei por contingência,
cedi por abstinência,
morri por indulgência...

E, por insolência, esqueci.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

MEA CULPA

Arde-me ainda o teu beijo nos lábios que te recuso.
Os olhos, os olhos...
guardam-te por fora o gosto e para dentro o desgosto.
E são as lágrimas sulcos da culpa que resvalei...
VÃS PALAVRAS


Do sangue que me anima,
retiro o vácuo que respiro
e vãs palavras que o digam.

Das palavras que o dizem,
retiro as vírgulas que são
lâminas do grito a dizer.

Do grito que dentro digo,
mutilo o eco latente
do aço que não consigo
e o pulsar latejante
do sentimento retido...

No sangue que me anima
sufoco o ar que respiro
em exercício mero de ser...

sem viver.
SUBJACENTE AZUL


Caem-me as palavras
em golpes de dor
e o duelo que travas,
desigual no vigor,
ergue-te em vitória
de tangente pendor,
empunhando a glória
de seres meu senhor...

Não sonhas nem sabes
que aquém do pavor,
me entrono em enclaves
além do supor,
ordens ou desígnios
de vil ditador
e nos meus domínios
sou fera, sou flor,

amo e odeio,
sou trevas, sou cor,
sou vento, sou freio,
sou sede e sabor,

sou livre, sou eu
entregue em penhor
ao pouco de céu
que roubo em favor!
ÚLTIMA PEDRA

Antes de me atirarem essa pedra,
olhem-na.
Que mal fez ela, para merecer o arremesso?...
Olhem-na.
Atentem as arestas,
as erosões,
as feridas abertas,
as perdidas ilusões!

Pesem-lhe a alma,
o calor.

Ainda resta vida,
em tanto desamor?...

Antes de me atirarem essa pedra,
reconstituam-lhe a inocência,
a ascendência,
todos as chuvas que passaram por ela
todos os séculos de que é sequela,
todos os efeitos de que é consequência!...

Viram?...

...eu não mereço uma pedra assim,
com tanta história antes de mim!

Sou pó da estrada que alguém pisou,
e se flor não fui, quem me matou?...
Nunca essa pedra, se me atingir,
antes os ventos, antes os tempos,
antes os medos que me enfezaram,
e as madrugadas que me gelaram...

Párem o gesto de me culparem,
que outros antes me condenaram!

Devolvam a pedra ao pó da estrada,
se atingir-me é a cruzada...
"AMARTIFICANDO"


Nós dois

somos palavras antagónicas

a debater-se pelo sim e pelo não,

margens de um verbo irreflexo

sem pronome nem traço de união.

E nada nos garante a concordância:

indivíduo é género indefinido

por acordes afinados em errância

de um certo desacerto temporal.

Somos formas e modos tão diversos,

cada um, um universo singular,

e os verbos que ensaiamos do avesso

nunca são uma verdade linear:

quando és pretérito imperfeito,

só me resta a forma condicional,

e se eu sou gesto indicativo,

já tu és conjuntivo intemporal...


Nós dois,

somos presente infinitivo

dum modo gerúndio sem futuro:


amartificando.
ACTO DE CONTRIÇÃO

Perdoa-me por não saber...
que os golpes são redenção
duma culpa por viver.
Perdoa-me por me doer...
O amor que te impuseste
e me forçaste a aprender...
Perdoa-me por me perder
nos meandros que o medo
me obrigou a sofrer...
Perdoa-me por perdoar-te...
pois isso é assumir-te
a razão de não amar-te...
Quem ama, nunca perdoa...*

Tens razão, desculpa...
eu nunca deveria ter ido àquele almoço. Tu tinhas-me proibido de ir almoçar com quem quer que fosse! Eu poderia perfeitamente ter dito aos meus colegas - que queriam pagar um almoço de despedida ao gerente cessante -, que não, que tinha um compromisso para a hora de almoço (mesmo que se soubesse, em terra e à boca pequena, que eu tinha ido comer o mesmo pastel sadiço e o galão à quase-tasca do lado)...

Desculpa, a culpa daquela tareia que me fez passar a noite à geada, grávida de 8 meses, também não foi tua, que eu sei como és ciumento e nervoso. Para que é que eu estava a tentar adoçar a minha violenta azia de grávida com um chupa-chupa (que eu tinha comprado pra os meus filhos), enquanto conferia movimentos com um colega, fora da hora de expediente?...

E aquela vez, lembras-te?, quando um colega me tocou, interpelando-me, na gola do meu casaco de pele de coelho, e tu viste??... Desculpa ter-te feito passar a vergonha de teres de me forçar a voltar ao local do "crime", em plena hora de expediente, e pedir satisfações (depois da tareia, claro)...

Desculpa-me pelas vezes em que me surpreendeste a sorrir para os outros, quando de ti tinha saído de olhos manchados... (não só de lágrimas!)

Ah, e perdoa-me pelas vezes em que me surpreendeste a corar, pelo simples comprometimento da ansiedade que os teus olhares inesperados, afiados como facas, me provocavam na pele!

Perdoa-me por tantas noites que te fiz perder, vencendo-me pelo cansaço e pela dor, até cair no teu leito...

Perdoa-me por tanto e tão pouco e pelo que não fui capaz de ser, sobretudo por já estar cansada de o ser na tua imaginação doente...

Perdoa-me por tantas vezes não ter compreendido o teu amor.

Perdoa-me, sim...
tenho que pedir-te perdão.

De contrário, como me perdoarei a mim mesma?...



*...esquece, simplesmente.